segunda-feira, 25 de maio de 2009


A EXECUTIVA BEM SUCEDIDA


Foi tudo muito rápido.
A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada nopeito, vacilou, cambaleou.
Deu um gemido e apagou.
Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diantede um imenso Portal.Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.
Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas.
Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida
abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo.
Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro.
Onde é que nós estamos?
- No céu.- No céu?...
- É.- Tipo assim... o céu, CÉU...!
Aquele com querubins voando e coisas do gênero?
- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências nenhuma poluição, todo mundo sorrindo,ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou umpouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B:convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadasde negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual,além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidentedo conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
- É? E como é que eu marco uma audiência?
Ele tem secretária?
- Não, não.
Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Assim? (...)- Pois não?A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem.
À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia ummartelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach parasituações inesperadas e reagiu rapidinho:
- Bom dia.
Muito prazer.
Belas sandálias.
Eu sou uma executiva bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra estranha.
De que século você veio?
- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?
- Já ouvi falar.
Mas não é do meu tempo.Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight.
A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerdaem modernas técnicas de gestão empresarial.
Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderiarapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer,celestial ali na organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazeruma proposta.
Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a toa,para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para darum upgrade na produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia.
Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá.
Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Entendeu o meu ponto?
Sem controle, há dispersão.
E dispersão gera desmotivação.
Com o tempo isto aqui vai acabarvirando uma anarquia.
Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementandoum simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e umorganograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações deperfis psicológicos não consigam resolver.
- !!!...???...!!!...???...!!!- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar adefinir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metasfactíveis de leverage, maximizando, dessa forma,o retorno do investimento do Grande Acionista...
Ele existe, certo?- Sobre todas as coisas.
- Ótimo.
O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento,definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtosalternativos de alto valor agregado.
O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomearum board de altíssimo nível.
Com um pacote de remuneração atraente, é claro.
Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits emordomias de praxe.
Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de quevocê vai concordar comigo, Pedro.
O desafio que temos pela frente vai resultar em um Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalharcom o nosso concorrente.
Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...

Max Gehringer (Revista Exame)

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